segunda-feira, 18 de setembro de 2023

«2001...», em «sessões contínuas» (Ferrada)

 RECORTE(S)

[E] Era ele o encarregado de projectar os filmes do cinema universitário. Além de os projectar, era responsável por adquiri-los e ainda por abrir e fechar o cinema. A sua quinta tarefa era cobrar os bilhetes de entrada, mas a maioria não pagava. [...]
     E foi graças a 2001: Odisseia no Espaço que D e E se conheceram. D não gostava particularmente de cinema, mas por vezes «precisava» de ver um filme. Era assim que o explicava. Normalmente, os filmes que ele «precisava» de ver eram de detectives ou pugilistas. Mas naquele dia, ao reparar na imagem da nave a girar à volta da Lua que servia de anúncio ao filme de Kubrick, teve uma epifania: ele, e não a máquina, girava em torno da Terra. E vista do alto a Terra era um ponto, uma tacha, como tantas outras. perdida naquela grande estrutura de madeira que era a noite dos tempos. Devido à expansão cósmica, tudo estava fadado a desaparecer. Desconectar-se. Continuar a sua marcha sabe-se lá para onde.
    Viram o filme três vezes seguidas. Porque essa era outra das vantagens do cinema de E. Se os espectadores quisessem repetir, repetia-se. Para isso E era o administrador e, pelo menos naquele reduto de cadeiras desconfortáveis, as coisas funcionavam à sua maneira. [...]

Maria José Ferrada, Kramp, 2023, p. 36

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