sexta-feira, 27 de junho de 2025

Júdice no «734»

 AO ACASO DA ESTANTE 

Abro um livro de poesia, gasto pelos anos, 
e de dentro dele saem dois bilhetes de cinema 
e uma fotografia. Já não me lembro que filme 
foi esse que vimos, numa tarde de outono; mas 
o teu rosto, de súbito, ganha uma realidade que 
o tempo gastou, tanto como esse livro de poesia, 
que nunca cheguei a ler. No entanto, se esses 
poemas não me ficaram na memória, o teu nome, 
os teus olhos, as tuas mãos que escorregavam 
pelo amor de uma tarde de cinema, ainda 
hoje permanecem comigo. Onde estás? Que 
fazes? Que voltas deste na tua vida? Mas 
não procuro respostas: e assim te voltei 
a guardar, nesse livro que já não sei 
onde está, na mesma página em que pus 
os bilhetes de um cinema que há muito fechou. 
                
              Nuno Júdice, Uma Colheita de Silêncios, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2023, p. 44.
                                                       [no «734», ontem]

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