AO ACASO DA ESTANTE
Abro um livro de poesia, gasto pelos anos,
e de dentro dele saem dois bilhetes de cinema
e uma fotografia. Já não me lembro que filme
foi esse que vimos, numa tarde de outono; mas
o teu rosto, de súbito, ganha uma realidade que
o tempo gastou, tanto como esse livro de poesia,
que nunca cheguei a ler. No entanto, se esses
poemas não me ficaram na memória, o teu nome,
os teus olhos, as tuas mãos que escorregavam
pelo amor de uma tarde de cinema, ainda
hoje permanecem comigo. Onde estás? Que
fazes? Que voltas deste na tua vida? Mas
não procuro respostas: e assim te voltei
a guardar, nesse livro que já não sei
onde está, na mesma página em que pus
os bilhetes de um cinema que há muito fechou.
Nuno Júdice, Uma Colheita de Silêncios, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2023, p. 44.
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