segunda-feira, 18 de setembro de 2023

«2001...», em «sessões contínuas» (Ferrada)

 RECORTE(S)

[E] Era ele o encarregado de projectar os filmes do cinema universitário. Além de os projectar, era responsável por adquiri-los e ainda por abrir e fechar o cinema. A sua quinta tarefa era cobrar os bilhetes de entrada, mas a maioria não pagava. [...]
     E foi graças a 2001: Odisseia no Espaço que D e E se conheceram. D não gostava particularmente de cinema, mas por vezes «precisava» de ver um filme. Era assim que o explicava. Normalmente, os filmes que ele «precisava» de ver eram de detectives ou pugilistas. Mas naquele dia, ao reparar na imagem da nave a girar à volta da Lua que servia de anúncio ao filme de Kubrick, teve uma epifania: ele, e não a máquina, girava em torno da Terra. E vista do alto a Terra era um ponto, uma tacha, como tantas outras. perdida naquela grande estrutura de madeira que era a noite dos tempos. Devido à expansão cósmica, tudo estava fadado a desaparecer. Desconectar-se. Continuar a sua marcha sabe-se lá para onde.
    Viram o filme três vezes seguidas. Porque essa era outra das vantagens do cinema de E. Se os espectadores quisessem repetir, repetia-se. Para isso E era o administrador e, pelo menos naquele reduto de cadeiras desconfortáveis, as coisas funcionavam à sua maneira. [...]

Maria José Ferrada, Kramp, 2023, p. 36

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Videoteca Caseira

    A videoteca - o resumo de uma sala: [...]. Tinha uma grande colecção de cassetes VHS. Todas as cassetes foram registadas e dispostas por ordem alfabética em prateleiras feitas à medida. [...]
     Às vezes entra quando estás à procura de um filme.
     - E que tal O Joelho de Claire?
     - Não, acho que não, hoje à noite, não, pai, já o vi muitas vezes.
     - É do Rohmer. [...]
     Caminha de um lado para o outro e vai olhando para as prateleiras.
     - E que tal Um Coração no Inverno, do Sautet? [...]
     - Um Coração no Inverno é bom, gosto muito dele...
     Na verdade, queres que ele te deixe em paz, talvez leves contigo Um Coração no Inverno só para te livrares dele, e porque podes depois escapulir-te até à videoteca e levar outro filme emprestado.
    - Como já vi Um Coração no Inverno muitas vezes, estava a pensar em ver algum do Woody Allen hoje à noite.
     O meu pai olha para o tecto. Os seus óculos têm lentes grossas, e a sua boca é por vezes tão fina e comprida que se pode estender de um extremo ao outro da casa.
     - Pois, estás à vontade, tu é que sabes. Uma pessoa faz-lhe uma sugestão ou outra, mas parece que ela já viu todos os filmes do mundo. Mas atenção, o Woody Allen é grande, um artista de calibre. Crimes e Escapadelas é uma obra-prima, mas vejo que vais levar Manhattan, pronto, tudo bem, fazes o que quiseres.

 Linn Ullmann, Os inquietos, 2023, pp. 245 - 246

sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Ainda há cinemas...

 - sala «dos anos 70» resiste em São Bartolomeu de Messines, com muitos lugares vazios nas «Estreias» - Artigo da Série «Expresso 50»;

RECORTE:

[...] Natural de São Bartolomeu de Messines, António Oliveira descobriu o cinema em Alcácer do Sal, onde viveu parte da sua juventude. “Na primeira classe nem sabia que existia cinema. Um padre ia à escola com uns projetores antigos passar filmes pequenos para nós vermos. Uma vez aquilo avariou e levaram-nos a uma sessão no cineteatro. Foi a primeira vez que entrei num cinema. A partir daí fiquei a adorar”. Ainda se lembra da fita: O Fantasma do Amor. [...]


quarta-feira, 2 de agosto de 2023

cinema em Hammars

 RECORTE(S): [...] à noite o gabinete transformava-se em cinema. O pai tirava um lençol branco de uma mala preta, apagava a luz, e o filme podia começar . [...] convertia-se numa tela de cinema branca como o leite e tão grande que cobria toda a parede como a vela desfraldada de um navio.
   Numa salinha, separada do escritório por um tabique com painéis de vidro, encontravam-se os projectores. Nos primeiros anos era o pai que projectava os filmes, mas depois ensinou o filho Daniel [...] A menina não podia tocar nos projectores, [...]


Bergman e a filha na rodagem de Sonata de Outono (1978) do «DN», 24-07-2023

   Nos primeiros anos, a menina tinha a sua própria sessão de cinema às seis e meia da tarde. Senta-se na grande poltrona puída e pousa as pernas num pufe. A mala preta abre-se e a tela é estendida. A menina é magra como um espeto. Tem cabelo comprido e desgrenhado e dentes de coelho. O pai apagou a luz, fechou a porta e espera do lado de fora. [...] As janelas do gabinete estão fechadas, tudo está escuro e em silêncio. [...]

Linn Ullmann, Os inquietos, 2023, p. 28

domingo, 23 de julho de 2023

«C de C»: «A Corte do Norte»

MAIS FLORES

A Corte do Norte é um belo filme sobre as mulheres de Agustina. Mulheres entre a santidade e a bruxaria, mulheres que se aconchegam na terra e saltam sobre as falésias, mulheres que metem medo. Ana Moreira é Sissi, Rosalina, Emília de Sousa, Águeda, Rosamund e Judith - múltipla nas personagens e revolta por natureza. Não se sabe bem o que combate, talvez o mais difícil: o tempo e a morte. João Botelho filma-a nos sítios mais perigosos ou no meio de flores.  Camélias, magnólias, hortênsias; flores que alastram pelos vestidos e pelas paredes, espalhando um cheiro bravio e cores fortes.

Como pode o cinema fechar - e aqui discordo do que o realizador afirmou na apresentação do filme em Serralves, citando Manuel de Oliveira e fazendo um elogio ao poder invisível da literatura - se a cada imagem, ou entre as imagens e os sons tudo explode e se recompõe? Esse é o mistério indomável que desorienta os nossos desejos.

                                                          Cristina Fernandes. C de C, Flop, p. 149

sexta-feira, 21 de julho de 2023

«C de C» : a Cena preferida

 - obra «miscelânica», de curtas narrativas que «cruzam Géneros de Famílias Diarísticas», de Março, 22, os índices de Filmes e de Realizadores, no final, permitiram incursões várias, no ano passado; agora, na Zmab, vai «de Fio a Pavio»

RECORTE(S) A

A CELEBRAÇÃO

É difícil escolher a minha cena preferida de A Rapariga da Mala. Há tantas possibilidades. A primeira vez que Lorenzo vê Aida, tão pequena, lá em baixo, com a mala ao pé, e ele no cimo das escadas, enquadrado pelas colunas. ou então as cenas finais da praia e da estação juntas, escritas pelo próprio Zurlini, e que, talvez por isso, são tão amargas e dolorosas. mas não, a minha cena preferida começa aqui: depois do feliz plano da bicicleta. [...]

                                                             Cristina Fernandes. C de C, Flop, p. 91

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Sissi-Schneider no «Salão Portugal» + «quinze minutos à belenenses», Vítor Serpa

 - inteiramente lida ontem à tarde, na CUF-DESC., durante as 3 horas do Exame da General, esta Evocação da Infância do menino da «Travessa da Memória» e de entre Belém, Restelo e Ajuda, de 2008, há muito «em Espera»... 

[também se viu, na 2.ª, o Restelo de Manuel Sérgio, na «1.ª Pessoa», de F. C. F.]

RECORTE(S):

[...] Foi assim que me perdi de amores pela Sissi.
     Deparavam-se duas dificuldades decisivas para me atrever a conquistá-la. A primeira, é que ela vivia muito longe da Travessa da Memória, algures num palácio dos arredores de Viena; a segunda é que o filme era para mais velhos e eu ainda andava iniciado, com ajuda da Dona Amália, conhecida da minha avó,  nos filmes para doze.
      Não há nada, porém que um coração apaixonado com onze anos não consiga, e passados dez dias de sublimes ideias a tentar convencer o Gonçalves, velho porteiro, heróico sofredor das pontada da gota, [...] eis que me é oferecida a oportunidade única de uns últimos quinze minutos à belenenses, esgueirando-me pelo reposteiro áspero e estarrecido, [...]e irrompendo, triunfante, embora furtivo, no cimo desse morro alto, que era o primeiro balcão.
    Na minha frente, a deslumbrante visão de Romy Schneider em cinemascope, sorriso rasgado, cabelo de rolos doirados, aqueles olhos bíblicos. [...]

Vítor Serpa, Salão Portugal - Novos Contos da Velha Lisboa, D. Quixote , 2008, pp. 38-39

segunda-feira, 27 de março de 2023

Elizabeth Taylor + Natalie Wood

Recorte(s) do livro AUTOBIOG. de Manuel S. Fonseca**, um dos que vão sendo lidos...; com as referèncias cinéfilas a «estruturarem» as evocações de Infância e de Juventude.  

RECORTES:

       Acabara de me apaixonar por Natalie Wood. Vira-a, acolhedora, a deixar James Dean deitar-lhe a cabeça no colo, em Rebel Without a Cause. O que ela, adolescente, fazia no filme, um sorriso triste, beijos só de lábios a roçarem lábios, sonhava eu que era comigo. [...]
    Nessas férias de 68, nas noites cacimbadas de Luanda, o Cinema Império passava um festival de reposições. Jurara promessas à ternura de Natalie Wood, mas noite é noite [...] e fui à descoberta..
     Exibia-se The Sandpiper. O filme, embora assinado por Vincente Minnelli, não é extraordinário. Apenas veículo para a arrasadora paixão que Elizabeth Taylor e Richard Burton viviam na vida real. Já a vira, à menina Taylor, Cleópatra [...] Agora, em The Sandpiper, numa praia californiana, Elizabeth era bastante menos do que a actriz de Cleópatra, era uma mulher. [...]

Manuel S. Fonseca, Crónica de África, 2023, p. 83

** emprestado, desde princípios de Maio, a P. G. (de AUDIOV.), por a mãe, a professora Vera G. [que D. conheceu, em 9394, no D. P. V], aí ser representada, no Anexo...]