quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

«A selva é obscena» - Fitzcarraldo (O diário da rodagem)

 - leitura retomada, às 9 e 15, ...]

IQUITOS, 8.12.80

[...] Dia parado, abafado e húmido. Inactividade junta-se a inactividade, nuvens imóveis fitam-nos, pesadas, do céu, a febre reina, a bicharada prolifera em proporções obscenas. A selva é obscena. Tudo é pecado, e por isso o pecado não dá nas vistas enquanto tal. As vozes na selva estão silenciosas, nada se mexe, paira sobre tudo uma ira indolente, inerte. Não há maneira de a roupa no estendal secar. Como se houvesse um encontro secreto, moscas gordas e reluzentes aglomeram-se sobre a mesa. [...]

                  Werner Herzog, A conquista do Inútil, Tinta-da-china, 2017, pp. 132

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

84 Charing Cross Road

 - D. lembrava-se do filme, de 87, com a Acção localizada entre 49 a 69 [...] - mas não de quando o visionou, num «TVcanal»; há dias que o tentava «abrir» na «NFLX»...; conseguiu na tarde do feriado «pós-comboio de tempestades»... ; 
- na 1.ª carta, a co-protagonista argumenta preferir a expressão «especialistas em edições esgotadas» a «Livreiros Antiquários»...;

Outro RECORTE, ainda do início, da 1.ª «Carta-Resposta: [ai, ai, as legendas...]

East 95th Street, 14, Nova Iorque, 3 de Novembro de 1949

      Senhores: os livros já chegaram. O Stevenson é tão bom que embaraça [?...] as minhas prateleiras de [...?] Receio manusear tão suave pergaminho [?] e páginas amarelecidas. Habituada ao papel branco e às capas de cartão dos livros americanos, nunca pensei que um livro causasse tanto prazer ao tacto.

[e Hopkins ainda só com 50 anos....]

[referenciado entre as pp. 302 e 304 de «O infinito num junco]

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Fitzcarraldo - (o diário da rodagem de) - «a conquista do inútil»

 - tradução de 2017, de original de 2004, terá sido apenas começado durante algum CdeT...; reencontrado neste Ciclo de Arrumações...; apresenta mancha(s) de algum «derrame», incluindo na «capa» de vegetal...talvez de Café... - coisa  que raramente acontece com D. ...- ...de que não se lembra [...]

- quanto ao filme - [V. H. AQUI] - que lhe deixou «funda impressão», viu-o no Estúdio (sobre o Império), talvez em... - lembra-se também de ter então lido vários artigos sobre tão «louca empresa» [...]

- a 30, alcançada a p. 122; recorte(s) daí:

MANAUS - IQUITOS, 2.8.80
Febre. No avião, mulheres gordas, suadas, indelicadas, [...] Voei para Iquitos com uma saudade relutante. Sensação opressiva de prosseguir algo que poderei, no fim, não conseguir levar a cabo. Se tudo isto se passasse noutro país, teria menos escrúpulos. As maiores insseguranças: os actores, o novo acampamento, o barco sobre o monte, a enormidade da organização que  ainda ninguém compreendeu, os índios, as finanças - a lista pode continuar. Vista do avião, a extensão da floresta virgem é assustadora, ninguém imagina, a não ser que tenha lá estado. Não precisamos de artistas da sintaxe.
[...] Andreas estava lá, e conferenciámos logo sobre o novo método que ele sugerira para transportar o barco por cima do monte. À primeira vista, o sistema com os seus arcos insufláveis parece óbvio, mas tenho duvidas, pois é necessária alguma experiência no seu manejo; por outro lado, não ficará bem no ecrã. [...]

Werner Herzog, A conquista do Inútil, Tinta-da-china, 2017, pp. 122-3

[perto das 12; G. O. elogiou o livro e tudo de W. H., oferecendo.se para copiar vários filmes para D.; Well...]

segunda-feira, 20 de junho de 2022

O menino que aprendeu a ler nos anúncios dos filmes (Jorge Calado)

 "Aprendi a ler por curiosidade. Deitado no chão de barriga para baixo, debruçado sobre a página três d'O Século gostava de decifrar os anúncios vistosos - embora a preto e branco - dos filmes em exibição nos cinemas de Lisboa: primeiro os títulos, depois e mais complicado, os nomes das estrelas, quase sempre estrangeiras. Já tinha decorado as letras do alfabeto mas não as sabia juntar. Por isso ia perguntando à minha mãe e ao meu pai: «como se lê g-u-e?», e assim sucessivamente. (Seria, talvez, o filme Sangue  e Arena, com Tyrone Power e Rita Hayworth). Até que um dia lhes anunciei que no Capitólio ou no Condes ia o filme tal e tal, e eles descobriram com espanto que era verdade! Poucos meses depois, quando completei cinco anos, tive duas prendas inusitadas: uma modesta sacola [...] e a primeira ida ao cinema, ao Éden, para ver o Aniki Bóbó (1942), de Manuel. de Oliveira. Os dois presentes estavam ligados: aprendera a ler motivado pelos bonecos do cinema."

Jorge Calado, Mocidade portuguesa - Olhares, 2022, p. 83

quarta-feira, 9 de março de 2022

«beavar canal»; Ruy Belo

NO WAY OUT

Sei hoje que sou pequeno
e não é esse o meu menor mal
mas faço meus os problemas
da gente de beavar canal

Nasci numa aldeia perdida
nestes caminhos de portugal
mas tanto tenho irmãos aqui
como os tenho em beavar canal

Eu a miséria da minha terra 
contemplei-a ao natural
enquanto vi no cinema
como se vive em beavar canal

 Mais do que a pedra mais do que a árvore 
o homem é para mim real
e tanto sofre a dois passos de mim
como sofre em beavar canal

Não há país que não seja meu
em qualquer parte morro pois sou mortal
mas aproveito a força da rima
para dizer que a minha rua é beavar canal

Morra eu dividido aos quatro ventos
seja o legado sentimental
fique no mundo onde ficar
deixo o meu coração a beavar canal

Ruy Belo, Homem de palavra(s), 1970

sábado, 19 de fevereiro de 2022

O menino que ia ao Chiado Terrasse OU «Dava um ano de ordenado...»

 - M. BIC., do 3.º Bloco, DISL., «atordoada» com a Escrita Saramag., veio colocar uma questão que «conduziu» a Almada e a Lobo Antunes....; 

-  R.  enviou-lhe o Endereço (da «Visão») onde «repousam» Crónicas de L. A. [por enquanto, e sabe-se lá até quando...];

- releu algumas e coloca aqui o recorte inicial da intitulada: «Dava um ano de ordenado por um minuto da minha infância perdida»   [de 2017]


(Susa Monteiro)

Porque cruel motivo nenhum cinema passa os filmes de que mais gostei na vida e dos quais tenho uma saudade infinita? Escrevo isto e lembro-me logo de uma frase de Dinis Machado em “O que diz Molero”: “Ó país de cristal que longe eu estou; dava um ano de ordenado por um minuto da minha infância perdida”. Dava mais do que um ano de ordenado, dava tudo para tornar a ver os desenhos animados da minha infância, que a tia Madalena nos levava a assistir aos domingos à tarde, num sítio chamado Chiado Terrasse, que de certeza já não existe e onde me sentia o garoto mais feliz do mundo. As luzes apagavam-se devagarinho, o écran iluminava-se e principiava a minha alegria, uma alegria como nunca voltei a sentir. Não apenas a alegria: um prazer sem fim. [...]:

https://visao.sapo.pt/opiniao/ponto-de-vista/2017-12-21-dava-um-ano-de-ordenado-por-um-minuto-da-minha-infancia-perdida/