sexta-feira, 17 de abril de 2020

«A última sessão» - Dulce Cardoso

[.. é o título do filme de 1970, de Peter Bogdanovich...]; nesta narrativa de 23 - 03, D. M. C. evoca as idas ao Cinema na Luanda da Infância...

RECORTE INICIAL:
    Fazia finalmente parte do grupo das matinés dos mais velhos. É certo que isso acontecera por imposição da minha mãe e não por vontade da minha irmã e dos restantes membros do grupo, mas não me interessava. Ir ao Miramar sem ser atrelada a um adulto causou-me borboletas na barriga, sentia-me livre, ainda que não o soubesse nomear.
       Parámos à entrada, em frente dos cartazes, e o Rui tentou adivinhar a história do filme que íamos ver, Dois Homens e Um Destino. A minha irmã e a Editinha suspiraram pelo Paul Newman, O Robert Redford também é um grande borracho, disse a Anita. O Garrincha e o Nando garantiram a pés juntos que nenhuma mulher sorria como a Katharine Ross. Não conseguia repetir os nomes dos atores e parte das conversas da minha irmã e dos seus amigos era-me incompreensível. Quando o filme começou e me submergiu num mundo tecnicolor, estremeci com o impacto violento do som, a brisa arrepiou-me, o Miramar não tinha paredes e usava o céu como teto, a Baía de Luanda ficava logo atrás do ecrã gigante, havia os jardins em socalcos, era tudo tão diferente, tão maior, tão mais bonito do que o África, o cinema do nosso bairro. Era difícil seguir o enredo, a rapidez com que as legendas se sucediam atrapalhava-me a leitura, estava sempre a perguntar à minha irmã, O que é que eles disseram?, a maior parte das vezes recebia de volta uma cotovelada, Se não te calas nunca mais te trago.
[...]
[Página com as narrativas já publicadas até à data: AQUI]

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