TERAPIA
O ingmar bergman gostava de bolachas
maria, e tinha sempre com ele um pacote para ir
comendo quando o estômago lhe doía. Em vão
maria, e tinha sempre com ele um pacote para ir
comendo quando o estômago lhe doía. Em vão
a Morte, para o distrair, lhe punha à frente
o tabuleiro de xadrez; de nada servia a jovem
mónica despir os seios para que o desejo
saísse de dentro da blusa; e foi inútil terem
queimado a bruxa, à frente dos artistas
ambulantes, como se alguém pensasse que
ela trocaria o amor pelo Bode dos Infernos. Sempre,
o bergman tirava as bolachas do bolso e comia,
uma após outra, para que a Morte não lhe desse
o xeque-mate, a mónica não voltasses a cobrir
os seios e a bruxa não se benzesse em frente
do Bode. Não sei porquê, também eu gosto
de bolachas maria, e quando as como não penso
na Morte, ainda menos na jovem de seios
despidos, e nem pensar que olho para a fogueira
onde a bruxa arde sem um grito. A única coisa
que me faz doer o estômago, como ao bergman,
é não saber, quando as tenho na boca, porque
é que as bolachas se chamam maria.
Nuno Júdice, Regresso a um cenário campestre, 2020, p. 77